sábado, 1 de outubro de 2011

Arqueologia - Revista Cidade


Chegou ao fim a primeira parte da pesquisa arqueológica que o LAB (Laboratório de Arqueologia Brasileiro) está realizando na área dos sítios "Aldeia do Portinho" e "Sambaqui Salina do Portinho", em Cabo Frio. Com o fim das escavações, todo o material coletado será encaminhado ao Iphan no Rio de Janeiro, onde começa a segunda parte da pesquisa que é a catalogação desse material.
A pesquisa de salvamento, autorizada pela Portaria Nº 21 de 28 de Junho de 2011, foi contrata por empreendedores interessados em implantar um centro comercial no local. Na área, localizada entre o bairro do Portinho e a Lagoa de Araruama, estão registrados no Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) quatro sítios arqueológicos, sendo dois deles, "Aldeia do Portinho" e "Sambaqui Salina do Portinho", dentro da área pretendida pelo empreendimento.
jeanne cordeiro
Arqueóloga Jeanne Cordeiro comanda as escavações
A arqueológa Jeanne Cordeiro, que coordena o trabalho, é profunda conhecedora da arqueologia regional, tendo já realizado inúmeras pesquisas na Região dos Lagos.
"E uma região extremamente rica", diz Jeanne . "O trabalho de pesquisa começou com o prof. Osvaldo Eredia na década de 70 que, posteriormente, foi continuado pela professora Maria Lúcia Gaspar, que é especilista em sambaquis . E, depois, por mim, que vim para cá como aluna da professora Maria Lúcia", explica.
Mesmo conhecendo bem o local pesquisado, o grupo de arqueológos comandados por Jeanne, surpreendeu-se logo na primeira semana das escavações. O local de uma antiga fogueira indígena saltou aos olhos dos pesquisadores, indicando que muito mais estaria por vir. Nas semanas seguintes o que surgiu, foi uma aldeia indígena inteira, com vestígios de fogueiras, estacas de tendas, restos de alimentação, muitos instrumentos em pedra, cerâmicas e até mesmo um fuso de tecelagem.
E, para completar o espetáculo, foi encontrado quase intacto um esqueleto que seria de uma mulher jovem, batizada pelos pesquisadores de "Boop".

aldeia do portinho 12
Professora e grupo de alunos da Escola Municipal Vinhateiro (São Pedro da Aldeia)
Alunos ficam deslumbrados com escavações
Diante da importância dos achados, que chamou a atenção da mídia atraindo muitos visitantes, foi necessário criar uma estrutura em torno do sítio. A área foi cercada, instaldos banheiros químicos, passarelas e cercas para demarcar a circulação dos visitantes.
Para potencializar e multiplicar o conhecimento sobre a pesquisa em andamento, o Iphan convidou as escolas para que organizassem visitas guiadas ao local . Durante duas semanas alunos da rede pública visitaram as escavações acompanhados de professores e puderam observar o trabalho dos arqueológos. Técnicos do LAB fizeram a apresentação dos materiais recolhidos explicando aos atentos estudantes seus usos e funções.
O interesse era visível nos rostos dos estudantes. Nos grupos entusiasmados que deixavam o local em alegre algazarra, o assunto era arqueologia. E alguns já convencidos da carreira a seguir: "vou ser arqueológo", diziam, encantados com o trabalho meticuloso dos pesquisadores.
Um grupo da Escola Municipal Vinhateiro de São Pedro da Aldeia, acompanhado de uma professora, teve esse privilégio. " A gente não espera ver essas coisas, mas a nossa região é muito rica nesse material arqueológico", disse a professora. "Deveria ser preservado, senão nossa história vai embora", complementou.
"Muito bom, muito maravilhoso. Aqui a gente vê coisas que aconteceram há muito tempo atrás", declarou uma aluna. "Este é um lugar muito bonito. Os arqueólogos encontrarm ossos de antepassados, é muito legal", dizia outro.

boop
Esqueleto de jovem índia encontrato praticamente intacto
Pisando na História
Para a arqueóloga Rosane Najar, do Iphan, o atrativo maior no local se deu  em função da movimentação dos pesquisadores. "se retirar isto daqui, perderá o interesse do público", afirmou, referindo-se ao trabalho de escavação.
Se estiver certa, a nova atração da cidade terá morrido às 14 horas do dia 30 de setembro, quando se encerrou a primeira parte do trabalho contrado, apesar de grande parte do sítio ainda não estar pesquisado, podendo ser soterrado sobre o estacionamento do empreendimento, caso o mesmo venha a acontecer.
Em dezembro de 2010, o gerente de Negócios do empreendimento, Frederico Neves, dava a questão da arqueologia como favas contadas, apesar da autorização para a pesquisa só ter acontecido seis meses depois, em junho do ano seguinte.
O gerente garantiu, na ocasião, já ter a aprovação do Iphan, tanto que a construção de uma área para exposição de material arqueológico dentro do shopping seria, segundo ele, "uma contrapartida acertada entre nós e o Iphan, por conta de estarmos vizinhos a um sítio arqueológico. A gente vai estar simulando internamente no shopping uma praça que estamos chamando de 'praça dos sambaquis'. Vai ser um piso de vidro, e a gente vai simular como se a pessoa estivesse passeando sobre o sambaqui embaixo. Vamos colocar as peças que o Iphan queira mostrar", afirmou.
Rosane Najjar nega que tenha havido um acordo prévio com o Iphan e diz que Instituto está empenhado em ampliar a pesquisa. "Teria o resto do sítio a ser pesquisado, e estamos justamente fazendo essa gestão".

pesquisa arqueologica area shopping 8
Instrumentos em pedra e ossos encontrados no local
Riqueza sem reconhecimento
Mesmo sendo os únicos testemunhos da ocupação humana no continente americano, anterior à ocupação europeia, os sambaquis e vestígios arqueológicos encontrados no Brasil não são muito valorizados pelo público, explica Jeanne Cordeiro.
"Tem um problema sério com a arqueologia brasileira, porque o que as pessoas vêem na Discovery, não é o que existe no Brasil. Também na escola, a criança aprende sobre a Grécia, Roma, Pompéia e aí, quando ela dá de cara com o que é nosso, que é essa sociedade simples, ossos partidos, cerâmica simples, pedaços de pedra, isso causa estranheza, porque a arqueologia está associada ao belo e ao monumental, mas no Brasil nós não temos isso".
Porém, o sítio arqueológico "Aldeia do Portinho" foge a essa regra, mostrando-se espetacular para o público e para os pesquisadores. "Todos os indicadores já nos informavam de um sítio que era espaço de vivência de dois grupos, os sambaquieiros e a tradição Una e isso deve ter se passado entre 2.000 e 1.500 anos atrás. Então, o que estamos encontrando são os restos dessas duas sociedades", conta Jeanne, que se mostrou empolgada com a descoberta. "Sou especialista na civilização Una, e este sítio recuou a datação em 1.000 anos do que eu estava acostumada a pesquisar", esclarece, dando "nota cem" para a descoberta.

aldeia do portinho 6
Visitas de estudantes, moradores e turistas
Teritório de Sambaquis
Jeanne conta que são muitos os sítios arqueológicos no município de Cabo Frio, ressaltando que de uma maneira geral estão bem preservados. "Só de Sambaquis são 65", diz. Entretando, o "Aldeia do Portinho" tem um interesse especial por ser um dos poucos sítios de ceramistas existentes e o primeiro localizado em Cabo Frio. "Só há registro desse tipo de sítio em São Pedro da Aldeia. Em Cabo Frio este é o primeiro", informa a arqueóloga.
"Entrando pela Boca da Barra, você tem Manoel Vitorino, Ilha da Conceição, Portinho I, Portinho II, Aldeia do Portinho e, mais à frente, o Porto do Carro. Então, toda esta área aqui foi densamente povoada, muito bem conhecida pela arqueologia, mas muito pouco conhecida do público", explica Jeanne.
Apesar da importância das descobertas, tudo indica que não haverá a preservação da área. Jeanne Cordeiro explicou que o LAB está fazendo apenas o salvamento para possibilitar a utilização do espaço. "Mas é um uso conforme. Não vai poder construir qualquer coisa aqui em cima", rassaltou.
(Niete Martinez)
Fonte: Revista Cidade

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